terça-feira, 11 de julho de 2017

Aguado*

Olhou para a janela do banheiro e percebeu que havia potes demais ali. Ela sempre acreditava que, com um pouquinho mais de água, o restinho duraria uma eternidade. Colocava mais água e deixava de reserva, para que o finalzinho do xampu pudesse se misturar à água. Trazia um novo pote e seguia sempre o mesmo ritual.
E nesta manhã, quando foi tomar banho e se pegou pensando nas desilusões amorosas que não conseguia pôr fim, avistou os potes de xampu, todos sem produto e com água. Percebeu que era sempre assim na sua vida. Misturava com um pouquinho mais de água e acreditava que aquilo que havia acabado ainda podia durar. Capengando, aos trancos e barrancos, mas durava.
Não conseguia se desvencilhar dos amores, não aceitava bem o fim. Então prolongava o inevitável, vivia vários subamores na tentativa de recuperar, com água, um deles e ter para sempre consigo. E, ao constatar seu triste vício, ela se desesperou. Pegou os potes, todos, e despejou a água pelo ralo. Água, apenas água. Não havia mais xampu ali, por que guardara aquilo por tanto tempo? Chorou. Não pela água que descia ralo abaixo, mas por perceber que tudo na sua vida era aguado. Enxaguou o rosto para cessar as lágrimas e desligou o chuveiro. Enrolou-se na toalha e saiu, deixando os potes todos espalhados pelo chão. Agora, sem água, eles não serviam para mais nada, mesmo.

*Das coisas que aprendi com Carpinejar. Obrigada por isso!

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