sábado, 24 de dezembro de 2011

Tempo

Não é no espelho que o tempo me assusta. É nas minhas crianças, que, confesso, quase já não são mais crianças. O tempo é cruel demais quando deixa que elas cresçam sem que eu acompanhe, sem que eu saiba. Sem que eu veja, dia a dia.
Porque, no espelho, o tempo não me machuca tanto. Mesmo que não seja mais a mesma e que a proximidade com o não-sei-o-que me assuste. Porque, pra mim, enquanto houver tempo, estou no lucro. Mas o tempo deles não é o meu. É longe de mim. E dói, como dói.



*Acho que o esquema é ir pra Terra do Nunca...

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sebastião Alves Ferreira, 2721

A casa tinha dois andares, além da edícula nos fundos. Ela gostava mais quando a edícula não existia e no fundo da casa tinha um parquinho, que dividia com as outras quatro casas vizinhas, onde ela, a irmã e as amigas sempre brincavam. Uma vez elas estavam no balanço quando o irmão, recém-nascido, chorou alto. Alto mesmo, tanto que, lá do parquinho, ouvia-se o choro da criança que acabara de acordar. Assustada, ela pediu à amiga que chamasse sua mãe, que conversava com a mãe da amiga durante a sesta diária do filho. Enquanto a mãe não chegava, ela não podia deixar o irmãozinho chorando. Correu para ver o que havia acontecido.

Ao chegar ao quarto, o menino já estava vermelho. Ela lembrou do ritual que a mãe seguia para descobrir o motivo do choro. Primeiro, verificar as fraldas. E foi o que fez. Estava ali o problema. Acalmou o irmão e decidiu trocar a fralda. Sozinha, aos seis anos de idade. Limpou o irmão, jogou a fralda suja no lixo e então a mãe chegou. Naquela noite foi dormir se sentindo heroína. Sentia ter salvado o irmão.

E foi na frente da casa, na rua de cascalho de pouco movimento com bueiros enormes a céu aberto, é que ela aprendeu a andar de bicicleta.

- Não larga, pai, senão eu caio!

- Não vou largar, filha.

E pedalava, acostumando-se com o equilíbrio que o corpo dava à bicicleta sem as rodinhas. E o pai segurava onde outrora ela ia na garupa.

- Não larga, pai.

...

- Não larga, tá, pai?!

...

- Pai?

Foi quando virou e percebeu que o pai acenava, longe, para ela, enquanto comemorava os poucos metros que a filha pedalara sozinha. Nervosa com a ausência das rodinhas, ela caía. O pai, que já havia previsto o nervosismo da filha quando percebesse que estava só e o tombo iminente, já estava em sua direção, para lembrar que é caindo que se aprende a levantar.

Outra vez, no campinho em que os meninos jogavam futebol ao lado, ela e a irmã descobriram um mundo à parte ao ultrapassarem a cerca de arame farpado. Tardes de correria, sem preocupação, de diversão. Juntas, sempre.

O que ela mais amava naquela casa era o seu quarto, que dividia com a irmã. Entre as camas tubulares cor-de-rosa, a casinha de madeirite que era, na verdade, um baú cuidadosamente escolhido pela mãe, para guardar os brinquedos que antes cobriam o chão do quarto. Do outro lado da cama, a porta que a mãe mantinha trancada, mas que ela e a irmã ansiavam por ver aberta. Do lado de lá da porta, uma sacada. Pequena, miúda, que mal cabiam as duas de pé, mas que lembrava, às meninas, a torre dos castelos das histórias de princesa que a mãe contava antes de dormirem. Do lado esquerdo do quarto, o quarto do irmão. Do direito, o dos pais. E, ao lado do quarto do irmão, o banheiro. Ela adorava o vapor que invadia o andar de cima depois que o pai saía do banho e do perfume que se espalhava pela casa. E tinha certeza: aquele era o melhor cheiro do mundo.

Hoje, anos depois de ter ido embora, sonhou com a casa. E nos sonhos era tudo como outrora. Ela era feliz como naquele tempo. Na casa onde não há lembrança de tristezas. Naquela casa, na rua Sebastião Alves Ferreira, 2721.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Paredes

Nunca são só paredes. Quando você fecha a porta, não são as paredes que você deixa para trás. Não é por causa das paredes que seu coração aperta, seus olhos marejam. Existe vida além das paredes. A sua vida ficou gravada ali, durante dias, meses, anos. Cada detalhe que, além de você, apenas as paredes conhecem. É por isso que, mesmo com as manchas, as marcas, as infiltrações, aquelas paredes fazem falta. E ali, ante à porta fechada, resta esperar que as novas paredes possam presenciar tantas alegrias, ou até mais, que aquelas atrás da fechadura.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ausência de coragem

Eu tenho medo de perder você. Tanto que dói, tanto que nem sei. Tenho medo do não-ser de todos os planos que fiz e de todos que faria. Tenho medo de não ter mais seu sorriso, de você não querer mais meu abraço. Tenho medo até da falta que você já me faz. Tenho medo de pensar em encontrar um outro alguém com um tanto de você e outro tanto não. Tenho medo do vazio que me dá pensar nisso. Tenho medo do meu futuro sem você e do seu, sem mim.

domingo, 21 de agosto de 2011

70 anos

Levantou pela manhã e bebeu um copo d'água. Era um dia como tantos outros, mas não era um dia normal. Enquanto a água descia pela sua garganta, lembrava-se dos dias passados. Lembrava-se das brigas, das brincadeiras, das implicâncias, do carinho. Do amor. E do fim, dolorido como quase todo fim.
Caminhou em passos descompassados até o banheiro, para se olhar no espelho. Era o mesmo rosto de sempre, mas os brancos do cabelo mostravam que o tempo a marcara com muito mais rapidez do que de costume. "Preciso retocar a tintura", falou consigo mesma. Os cabelos, embranquecidos, diziam a ela muito mais do que a qualquer outra pessoa. Sussuravam que, sim, ele estava presente nela. Não que fosse preciso desse aviso, ou dos calos que por vezes incomodavam seus pés, para ela vê-lo dentro de si. Sabia que tinha mais, marcas invisíveis a olhos nus.
Fitou atentamente o fundo dos olhos do reflexo em sua frente. Era seu aniversário hoje. Queria ligar para dar os parabéns, mas não sabia qual número discar. Não havia um número. E ao pensar nisso lhe acometia um vazio.
Abriu a torneira e banhou o rosto, na tentativa de esquecer aqueles pensamentos, de espantar o vazio. Percebeu que não apenas a água escorria pela sua face. Agarrou-se à toalha de rosto como quem se agarra a um ombro amigo. Chorou. Amargamente, aos soluços. Queria abraçar, queria lembrar que o amava, queria mostrar o quanto dele ainda vivia dentro de si. Só que isso não era mais possível.
Quando conseguiu conter as lágrimas, decidiu voltar ao quarto. Deitou-se em meio às cobertas bagunçadas e apertou um dos travesseiros contra seu peito. Pediu, em oração, que Deus abraçasse o seu vozinho, e lhe contasse que o desejo de parabéns era dela.

domingo, 14 de agosto de 2011

Ismália

Queria abraçar a mãe,
Queria parabenizar o pai
(E vice-versa).
.
Feliz aniversário, dona Lu. Feliz dia dos pais, seu Paulo. Amo vocês!

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Observador




- Paulinha, eu vi você no site da Viva Mais. Bacana, heim, menina, que diferença!!!
- Pois é, você viu?
- Sim. E vi, também, que você teve o cuidado de colocar a mesma roupa na foto do antes e do depois, pra gente ver a diferença.
- Então... quase...
- Não é a mesma roupa?
- Não, não. Na primeira foto eu tava com uma calça comprida, na segunda, não...
- Ah... mas o top eu vi que você colocou o mesmo!
- É... quase... o primeiro é bem fechado, o segundo tem decote V...
- Mas era tudo preto!
- Ah, isso sim!
- Viu?! Homem repara em tudo mesmo!!!
(Ah, repara...)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Disritmia

O desejo até podia ser o mesmo, mas o tempo não. A vontade de estar perto, de estar junto, de construir uma vida a dois era mútua. Mas ele queria agora, ela não. Ela queria o mundo. Queria voar, descobrir e se descobrir. E queria ele, depois disso. Ele tinha certeza e pressa. Principalmente pressa. Queria ela, casar com ela, filhos dela, envelhecer ao lado dela. Tudo agora. E, por um tempo, ela também queria. Ou achava que queria.
Decidiu partir. A cidade pequena a abafava, sufocava. Talvez pelo calor, talvez pelo tanto tempo sem nada. Precisa de desafios, obstáculos, objetivos. Precisava construir algo. E o deixou. Não por muito tempo, pensou. Mas não por pouco, também. Ele precisava aprender que o mundo ia além dela. Que era grande, enorme. Que era possível ser feliz, também, sem ela.
Mas ela o queria bem. Queria-o por perto. Mesmo que o perto ainda fosse longe. Ajudou que ele se encontrasse. Buscasse um rumo melhor, um caminho mais amplo. Acreditasse que, sim, ele também podia construir o seu mundo. E que, com seus mundos mais concretos, seus caminhos poderiam voltar a se cruzar. Porque havia o desejo mútuo de passarem uma vida juntos.
Mas ele tinha pressa. E certeza. E vontade de tudo agora. Mal começou a trilhar a nova estrada e substituiu ela. Fez novos planos e, sem planejar nada, casou, engravidou, envelheceu. Longe dela. Que aprendeu a voar, a descobrir o mundo. E se descobrir a cada dia.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Xará

- Seu nome é assim mesmo, como está no cartão?
- Oi?
- O seu nome. É Paula Fernandes mesmo?
- Ah, é sim - digo, enquanto meu irmão e uma amiga caem na gargalhada.
- Nossa, que legal, ter um nome assim, famoso!
- É... mas o nome é meu há mais tempo - completo.
Comecei a pensar. O que é que passa pela cabeça da moça? Que roubei o cartão da Paula Fernandes? Que sou tão fã que até mudei o meu nome para ser igual ao da ídola (ainda bem que eu não pensei nisso quando eu queria ser a Sandy). Que eu empresto o meu nome para ela e recebo cachês no final do mês? Paulinha, querida, chegaram algumas contas desse mês, quer que envie por e-mail ou te passo o valor e você deposita, bem?

terça-feira, 5 de julho de 2011

Ausência de fé

A gente era inocente, lembra? Eu via em você todo o futuro que eu planejava pra mim. Mas você sequer percebia que eu existia. Pelo menos era o que eu pensava. O que sempre tive certeza, já que as minhas amigas sempre tiveram muito mais a sua atenção do que eu.
Sempre acompanhei sua vida. À distância, como eu podia. Comemorei seu casamento, o nascimento da sua filha. Comemorei, sim, porque aquilo que eu sentia, outrora, transformou-se num carinho enorme. Uma vontade grande de te ver feliz, sempre.
As nossas vidas tomaram rumos desiguais, bem diferentes. Eu acredito na alma humana, na força do ser, mas tenho medo. Muito medo. Você tem uma certeza que jamais me pertenceu. Quando conversamos, sempre sinto uma vontade forte, muito forte, de chorar. Eu tenho medo, meu querido, do que escolhi. Mas tenho medo, também, do que posso escolher. Eu penso que esse mundo é grande demais e que eu preciso conhecê-lo. Acredito que o futuro que, agora, tenho em mente, não cabem nos planos que você acredita serem os melhores. E tenho medo de estar errada.
Eu agradeço, mesmo, a sua ajuda. A sua insistência. A sua vontade de me ver, como você diz, no caminho certo. E espero que você não se decepcione comigo. E que você saiba que o que eu senti, um dia, por você, está aqui. Bem guardado. E faz com que eu pense realmente em tudo isso.