quarta-feira, 15 de novembro de 2017
Solitud
Balançou a cabeça e sorriu, para que não percebessem. Eram tantas as dificuldades alheias que as suas pareciam mesquinhas, pequenas. Mas ali dentro, no íntimo, eram gigantes. E nadava naquele mar de solidão. Não podia dizer porque não entendiam. Tinha de ser forte, precisava ser forte. E tinha de entender. Porque, afinal, sabe como é, né? A vida difícil aqui, os caminhos transversos ali... Era mais fácil fingir que não estava presa em todo aquele vazio. Ou pelo menos tentar fingir.
segunda-feira, 17 de julho de 2017
Tantra
Foi o cheiro, aquele cheiro, que lhe ganhou. Sentiu vibrar cada um dos pelos em seu corpo. Sentiu estremecer a espinha, arrepiar a pele. Perguntou-se como pode o olfato ser tão poderoso. Tal qual um bicho, aspirou o quanto pode. Apesar da fumaça, da intensidade dos cheiros naquela noite, aquele, em particular, adocicou-lhe as narinas, encheu os pulmões com muito mais do que ar. Queria poder sentir por toda a noite. Não só o cheiro, mas o gosto daquele cheiro. Olhar mais de perto, encarar. Sentir.
Por falta de coragem - ou excesso de medo, quiçá - contentou-se em cheirar. Mas à noite, em seus sonhos, enfrentou a fobia. Venceu o momento. Cheirou, olhou, encarou, sentiu. E como sentiu. Naquela utopia, não permitiu trazer consigo somente a lembrança de um abraço molhado. Em seu devaneio, permitiu-se ser feliz.
Por falta de coragem - ou excesso de medo, quiçá - contentou-se em cheirar. Mas à noite, em seus sonhos, enfrentou a fobia. Venceu o momento. Cheirou, olhou, encarou, sentiu. E como sentiu. Naquela utopia, não permitiu trazer consigo somente a lembrança de um abraço molhado. Em seu devaneio, permitiu-se ser feliz.
Isso pertence a...
gente grande,
homenagem,
mundo mundo vasto mundo,
no meu mais profundo eu,
paranóias e psicodelias,
vida bandida
terça-feira, 11 de julho de 2017
Linda Lilás
Ela sempre foi linda. A mais linda de todas. A minha preferida. A chamei de Lilás, minha linda Lilás. Porque lilás, de todas as cores, é a que mais estimo. E, acredite, para mim, toda cor é divina.
Quando linda Lilás passava, até o mundo parava para observar. Os seus olhos, sua boca, seu colo e seu entorno, tudo em harmonia tão perfeita que jamais deixaria para trás um só olhar. E sua cor, ah!, sua cor... Linda Lilás trazia, consigo, os meus mais profundos desejos. A cada ângulo que a espiava, um novo sacrilégio a ser exaltado. Registrado. Lembrado. Porque linda Lilás merecia, e os homens precisavam. Estou certo disso.
Foram seis lindos meses. Cada um de nós tem uma espiritualidade na cor que nos fascina. A minha é lilás. Que marca o amor que vivi e que não volta. A mesma cor que vestia a minha linda Lilás quando, ao realizarmos seu último desejo, o fogo a tomou para si. Deixando apenas a exaltação. O registro. A lembrança. Lilás.
Quando linda Lilás passava, até o mundo parava para observar. Os seus olhos, sua boca, seu colo e seu entorno, tudo em harmonia tão perfeita que jamais deixaria para trás um só olhar. E sua cor, ah!, sua cor... Linda Lilás trazia, consigo, os meus mais profundos desejos. A cada ângulo que a espiava, um novo sacrilégio a ser exaltado. Registrado. Lembrado. Porque linda Lilás merecia, e os homens precisavam. Estou certo disso.
Foram seis lindos meses. Cada um de nós tem uma espiritualidade na cor que nos fascina. A minha é lilás. Que marca o amor que vivi e que não volta. A mesma cor que vestia a minha linda Lilás quando, ao realizarmos seu último desejo, o fogo a tomou para si. Deixando apenas a exaltação. O registro. A lembrança. Lilás.
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Natal do peru
Estavam todos sentados à mesa, esperando o prato principal. Era sempre assim, a mãe colocava a mesa e não deixava que ninguém se levantasse para ajudar. Mesmo que soubessem que depois ela ia lembrar por um bom tempo que havia feito tudo sozinha... Conversas infindas, sobrepostas, alegres. O espírito natalino trazia aquela energia toda, deixava as pessoas mais leves.
Contudo, para a garota que acabara de completar 21 anos, o peso daquele Natal era maior. A barriga, que evidenciava a gravidez adiantada, parecia ter vida naquele dia. O clima abafado da cidade parecia ainda maior, muito mais forte. Vez ou outra se sentia tonta. ‘Deve ser coisa desse calor’, pensava. E logo passava.
- Está se sentindo bem, Lucinha? – perguntou o pai, da ponta da mesa.
- Estou sim, paizinho, é só um calorão que me deu...
- Uai, será que ganho meu netinho nesse Natal?
- Ou netinha, papai. Ainda não sabemos.
- Que seja.
E voltaram à miscelânea de conversas. Só agora a mãe se sentara, após trazer o peru – receita que passou por várias gerações, agradava aos mais diferentes paladares e fez com que a filha sentisse dois ou três chutes na barriga – comprado com a economia de diversas semanas. Não era fácil alimentar uma família de quatro filhos, nem mesmo àquela época. A casa só estava cheia de cacarecos pela proximidade com o país vizinho, famoso por ter tudo de novo por muito pouco. Algo de bom devia haver em morar na Tríplice Fronteira e suportar o calor que escaldava até mesmo as almas. O ano era mil-novecentos-e-qualquer-coisa e a família ansiava pelo início da ceia. Entretanto, havia todo um ritual a seguir e sabiam que a mãe não abriria mão de nada, nenhum segundo.
Assim que a mãe se sentou, todos ficaram em silêncio. O pai limpou os dedos engordurados, do pouco de comida que ele havia roubado sem que a mãe tomasse nota, na toalha da mesa. Aguardou que ela desviasse o olhar para passar a boca, rapidamente. A mãe não gostava quando o pai limpava a boca na toalha de mesa. A filha mais velha, com a criança no ventre, também não e olhou com reprovação para o pai, ao perceber o que fazia. Mas era Natal e decidiu não implicar, ao menos naquele dia. Ainda mais com aquele calorão e aquelas tonteiras que volta e meia sentia... A mãe se levantou e pediu a todos que fizessem o mesmo.
- Meus filhos, hoje é noite de Natal. Vamos fazer uma oração para agradecer pelo ano que passou, por esse peru que pudemos ter nesta noite, pela saúde que temos. Quero que todos deem as mãos – e assim fizeram, ninguém jamais a contrariaria – para fazermos a oração que o filho d’Ele nos ensinou. Pai Nosso, que estás no céu...
- Ai... – a filha sentiu outro chute, enquanto o cheiro do peru parecia irradiar suas narinas.
- Santificado seja o Vosso nome, venha a nós o Vosso reino, assim na Terra como no Céu...
- Amor, o bebê não para! Parece que quer algo! – sussurrou a filha grávida ao marido, que estava ao lado.
- Mas você está se sentindo bem?
- Não sei, esse calor todo...
- ... mas livrai-nos do mal. Amém. Agora, a oração à mãe de Jesus, nossa mãe tão santa, que também nos abençoa sempre. Ave Maria, cheia de Graça...
- Ai...
- É o que, Lucinha? Quer se sentar? – perguntou o marido da filha.
- Não, não. Outro chute... – e o cheiro do peru parecia cada vez mais encantador.
- ... e bendito é o fruto do vosso ventre...
- Ai! Gente!
Todos olharam em direção à filha, grávida. Estava molhada. A bolsa havia estourado. A criança decidira ali mesmo que era hora de nascer. E o peru, ah!, o cheiro daquele peru... O marido, pálido, entrou em desespero. Queria correr pro hospital e Lucinha, tranquila, avisou que ia se limpar antes. Um banho era melhor. Não queria que o filho – ou filha! – viesse ao mundo com ela naquele estado. Afinal, a bolsa havia estourado mas ela não sentia muita dor. Podia esperar. Depois do banho foi ajeitar as coisas para levar para o hospital, afinal, o filho – ou filha! – tinha se apressado dez dias.
A família, que já nem lembrava mais da ceia, já estava toda a postos no hospital, esperando a chegada do novo ente. E da filha, que ainda se arrumava. Quando chegou ao hospital, as enfermeiras duvidaram que estava para nascer. Lucinha estava muito calma, demais para quem está para parir. Entretanto, estava em trabalho de parto, verificaram as enfermeiras e chamaram logo o médico de plantão.
Ao chegar à sala de parto, o médico avistou a menina com seus 21 recém-completos e, quase indignado, perguntou:
- Não podia esperar eu terminar a ceia, não?!
- Eu nem comecei, doutor... E tinha um peru tão cheiroso... – e riu, enquanto sentia mais alguns chutes.
O médico verificou a dilatação e percebeu que era preciso uma cesárea. Preparou-se para a cirurgia, para que fosse o mais rápido possível. Afinal, era Natal, ninguém merecia estar de plantão. Mas ele estava. A família já estava inquieta na sala de espera, ansiosa pelo nascimento do menino – ou menina! E, na sala de cirurgia, o médico a retirava do ventre materno. Contudo, nenhum choro. Nenhum grito. A criança, uma menina, olhou para o médico e indagou:
- E aí, doutor, cadê o peru?
Isso pertence a...
a senhora dos micos,
comédia da vida privada,
ctrl c ctrl v,
foi mal aí,
mas heim?,
mundo mundo vasto mundo,
piada interna,
pira total
Aguado*
Olhou para a janela do banheiro e percebeu que havia potes demais ali. Ela sempre acreditava que, com um pouquinho mais de água, o restinho duraria uma eternidade. Colocava mais água e deixava de reserva, para que o finalzinho do xampu pudesse se misturar à água. Trazia um novo pote e seguia sempre o mesmo ritual.
E nesta manhã, quando foi tomar banho e se pegou pensando nas desilusões amorosas que não conseguia pôr fim, avistou os potes de xampu, todos sem produto e com água. Percebeu que era sempre assim na sua vida. Misturava com um pouquinho mais de água e acreditava que aquilo que havia acabado ainda podia durar. Capengando, aos trancos e barrancos, mas durava.
Não conseguia se desvencilhar dos amores, não aceitava bem o fim. Então prolongava o inevitável, vivia vários subamores na tentativa de recuperar, com água, um deles e ter para sempre consigo. E, ao constatar seu triste vício, ela se desesperou. Pegou os potes, todos, e despejou a água pelo ralo. Água, apenas água. Não havia mais xampu ali, por que guardara aquilo por tanto tempo? Chorou. Não pela água que descia ralo abaixo, mas por perceber que tudo na sua vida era aguado. Enxaguou o rosto para cessar as lágrimas e desligou o chuveiro. Enrolou-se na toalha e saiu, deixando os potes todos espalhados pelo chão. Agora, sem água, eles não serviam para mais nada, mesmo.
*Das coisas que aprendi com Carpinejar. Obrigada por isso!
E nesta manhã, quando foi tomar banho e se pegou pensando nas desilusões amorosas que não conseguia pôr fim, avistou os potes de xampu, todos sem produto e com água. Percebeu que era sempre assim na sua vida. Misturava com um pouquinho mais de água e acreditava que aquilo que havia acabado ainda podia durar. Capengando, aos trancos e barrancos, mas durava.
Não conseguia se desvencilhar dos amores, não aceitava bem o fim. Então prolongava o inevitável, vivia vários subamores na tentativa de recuperar, com água, um deles e ter para sempre consigo. E, ao constatar seu triste vício, ela se desesperou. Pegou os potes, todos, e despejou a água pelo ralo. Água, apenas água. Não havia mais xampu ali, por que guardara aquilo por tanto tempo? Chorou. Não pela água que descia ralo abaixo, mas por perceber que tudo na sua vida era aguado. Enxaguou o rosto para cessar as lágrimas e desligou o chuveiro. Enrolou-se na toalha e saiu, deixando os potes todos espalhados pelo chão. Agora, sem água, eles não serviam para mais nada, mesmo.
*Das coisas que aprendi com Carpinejar. Obrigada por isso!
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vida bandida
sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
Trintando
Ela não se sentia com aquela idade, mas o calendário mostrava: 30 anos. Olhou aqueles segundos que faltavam antes de celebrar mais um ano de vida e desejou que se estendessem mais e mais e mais. Mas não se estenderam. E ela percebeu, então, que os 30 vieram como um banho de chuva, para lavar a alma. Chegaram com redescoberta, autoconhecimento e muito aprendizado. Refez na memória sua trajetória até ali e sentiu gratidão. A Deus, pela vida. Aos pais, por lhe permitirem - e apoiarem - ser quem é. À vida, por ser. E desejou, então, que viessem mais 30. E outros mais. Até quando puder.
quinta-feira, 25 de junho de 2015
sábado, 12 de abril de 2014
Gorda
Nunca entendi - nem consigo entender - porquê as pessoas tentam ofender umas às outras. Especialmente quando essa "ofensa" é ressaltar uma característica da pessoa que foge aos padrões impostos e quase inalcançáveis da mídia. Gorda, baixinho, vara-pau.
Sempre penso que, quando alguém olha pra mim e me diz (ou pensa): GORDA!, querendo me xingar, devo ficar feliz. Afinal, se esse é o único defeito que encontrou em mim, então, meu bem, eu tô bem. E como!
Isso pertence a...
mundo mundo vasto mundo,
no meu mais profundo eu,
preconceito - ou pré-conceito
segunda-feira, 10 de março de 2014
Ainda assim
- Vó, você é meio 'feínha', mas eu te amo mesmo assim.
Na mesma hora, a menina levou uma bronca dos pais, que estavam sentados no banco da frente do carro. A avó riu e disse para que não ralhassem; as crianças falam com o coração, ensinou.
E falam. Foi com o coração que a menina aprendeu a olhar a avó. Aqueles olhos não estavam acostumados às marcas que a vida lhe trouxera e, inocente, não conseguiam entender a beleza que viam ali.
Contudo, o mesmo tempo que marcou o rosto da avó lhe ensinou, calma e morosamente, que cada um daqueles detalhes tinha seu valor. Que era a junção deles que mostrava tudo o que havia vivido. Que tinham a sabedoria para ensinar, à neta, que era a verdade que importava, não as convenções sociais.
E hoje, com a certeza de quem só consegue enxergar com o tempo, a menina - já não mais tão menina - sabe que pode dizer que, sim, sua avó é linda. E ela a ama ainda assim.
Na mesma hora, a menina levou uma bronca dos pais, que estavam sentados no banco da frente do carro. A avó riu e disse para que não ralhassem; as crianças falam com o coração, ensinou.
E falam. Foi com o coração que a menina aprendeu a olhar a avó. Aqueles olhos não estavam acostumados às marcas que a vida lhe trouxera e, inocente, não conseguiam entender a beleza que viam ali.
Contudo, o mesmo tempo que marcou o rosto da avó lhe ensinou, calma e morosamente, que cada um daqueles detalhes tinha seu valor. Que era a junção deles que mostrava tudo o que havia vivido. Que tinham a sabedoria para ensinar, à neta, que era a verdade que importava, não as convenções sociais.
E hoje, com a certeza de quem só consegue enxergar com o tempo, a menina - já não mais tão menina - sabe que pode dizer que, sim, sua avó é linda. E ela a ama ainda assim.
sexta-feira, 31 de janeiro de 2014
Papel ou algodão?
Nesse mês temos dois marcos importantes na nossa história. O primeiro, no dia 08, são os nossos dois anos de namoro. E o segundo é antes, ainda, mesmo que eu não me lembre da data certa - o que é raro! - o primeiro ano em que dividimos muito mais do que as contas, as nossas vidas. Neste um ano, que sabemos bem que não foi fácil, aprendi muito com você. Especialmente a ter paciência (e ainda tenho um tanto a aprender, né?!) e a ceder, para evitar problemas maiores.
A questão é que nem sempre é fácil. Aliás, nunca é. Nem pra você, acostumado às mordomias que só os pais sabem nos dar, nem pra mim, que já tinha costumes e manias de um caminho trilhado cedo pelas próprias pernas. Mesmo assim, decidimos nos dar uma chance. E outra. E outra mais. Porque percebemos que o que construímos é bom e certamente vale a pena.
Por ora, quero agradecer. Pela paciência, pelos momentos bons, por esse ano juntos. Esses dois anos na minha vida. Amo você.
A questão é que nem sempre é fácil. Aliás, nunca é. Nem pra você, acostumado às mordomias que só os pais sabem nos dar, nem pra mim, que já tinha costumes e manias de um caminho trilhado cedo pelas próprias pernas. Mesmo assim, decidimos nos dar uma chance. E outra. E outra mais. Porque percebemos que o que construímos é bom e certamente vale a pena.
Por ora, quero agradecer. Pela paciência, pelos momentos bons, por esse ano juntos. Esses dois anos na minha vida. Amo você.
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