quinta-feira, 31 de março de 2011

Póstumo

Ela acordou com o sorriso no rosto, dando-lhe um beijo de bom dia. Era o seu dia e ela queria que ele se sentisse especial. Ao abrir os olhos, ele viu o sorriso e logo entendeu.
- Hoje não, amor. Hoje não.
Não, ele não gostava daquele dia. Para ele, o dia era de resguardo. Sigilo, prece, aquietação. Sua alma, presa, queria gritar. Queria que gritasse, que chorasse, para que, enfim, esquecesse. Mas ele preferia calar. Não gritava, não chorava e as memórias lhe martelavam a cabeça. Como esquecer de algo que o acompanhara por toda a vida?
Tudo aconteceu dois meses antes do seu nascimento. O pai, taxista, havia sumido. Ninguém sabia do seu paradeiro. A mãe esperou por longos dois meses. Ao pai e ao filho, que estava por vir. O filho chegou e, com ele, a alegria do nascimento de uma criança tão esperada. Mas o pai não estava ali para ver que era a sua cara. Para ajudá-lo nos primeiros passos, com sua primeira bicicleta e ensinar a conquistar a primeira namorada. Não, o pai havia sumido. Até aquele dia.
Enquanto o médico felicitava a mãe pela chegada do menino, um parente entra pela porta com ares de velório. Haviam encontrado o pai da criança. O corpo dele. Estava morto. Morreu porque alguém imaginou que sua vida valia menos que seu automóvel. Morreu, mas o carro não estava mais ali.
- Hoje não, amor. Hoje não. Você sabe, não gosto de comemorar meu aniversário. Amanhã, se você quiser, eu aceito os parabéns. Mas hoje não, por favor.

Um comentário:

  1. Sou péssima para datas de aniversário, mais ainda para os dias de tragédias, nunca lembro do dia exato que ocorreram e me perco até em meses.
    Nesse caso, com certeza, eu me lembraria. E acho até que comemoria, assim como ele, noutro dia.

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