quarta-feira, 30 de março de 2011

Excertos



- Vem, vamos por aqui que vou te mostrar onde eu morava.
Enquanto descíamos a rua, ela não conseguia segurar a expectativa. Andar por ali não era apenas dar um passo na frente do outro, era mais. Era voltar ao passado e às experiências de uma infância feliz. Era recordar os medos por não conseguir ver além do muro, ou das ratazanas que a infernizavam, por vezes, no quintal.
- A gente sofria, heim. O vizinho tinha um galpão para por trator, que era bem... nossa! Era ali, onde agora tem aquela casa! Paula, ali era um galpão! E era cheio de ratos, aquelas ratazanas bem grandes, que iam para a nossa casa...
Enquanto ela fala, a minha mente voa. Me transporta à realidade dela, mas me traz, na verdade, a minha infância. Penso no que vivi e no que poderia ter vivido. Tantas árvores para subir, ruas para correr, borboletas para caçar. Amigos por fazer, tanta coisa para viver, ainda. Mas que já vivi, ao meu modo, de acordo com o caminho que eu trilhei. E sinto inveja por não ter raiz. Por não ter sido de um só, ou até mesmo de menos lugares. Sinto inveja das amizades que me foram arrancadas em idas e vindas. Das oportunidades que me foram tiradas de um lado para o outro.
- ...eu até entendo o ciúmes dela...
- Ah, mas eu também. Isso é óbvio.
- Não, mas escuta. A gente brincava lá na rua e eu não sabia...
Por outro lado, agradeço o sem-fim que me foi dado. Os amigos que, mesmo perdido o contato, ainda são vivos no meu coração. Na minha alma. Agradeço a tudo que aprendi, tudo que vivi. E agradeço, também, a esta amiga. Que me deixou conhecer um pouco mais o seu mundo. A sua vida. Desde a sua infância.
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Porque, no fundo, a nossa amizade é de muito antes de existirmos. Amo você.

5 comentários:

  1. A gente nunca está satisfeita, você querendo ter mais raiz e eu tentando não ter raiz, buscando me jogar no mundo, querendo ficar longe de todos aqueles que estiveram e estão comigo. É legal voltar na rua onde eu brincava, mais bacana ainda é encontrar as pessoas que fizeram parte da minha infância e adolescência. Eu gosto do cheiro indescritível e encantador da memória.
    E memória, dona Paula, você também tem. Diferente, mas tem.
    Amo você, quiçá de outras vidas.

    Sobre o texto, adorei. Quando eu ficar velha e passar por aqui, vai ser muito gostoso lembrar desse dia e, claro, desse post.

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  2. Lembrei da minha cidade natal...morro de vontade de passar na rua onde foi minha infância e adolescência, ainda volto la...

    Adorei o texto a musica,fiquei emocionada..

    grande abraço..

    bju

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  3. Amei os trechos - de texto e de sentimento. Pensei muito em o que comentar (sim, eu preciso comentar), e tive dificuldades, mas quero lembrar que você tem raízes: talvez não tão arraigadas e profundas, mas muito mais numerosas (diferentes plantas de diferentes generos...)
    E são estas raízes ramificadas que alimentam esta Paula que você é.
    Amor sempre, me, TiaLux

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  4. Paula, eu morei toda a minha vida nessa cidadezinha que hoje também é sua. Nos quatro anos que eu passei morando fora eu ainda era mourãoense, no fundo.
    Mas isso combina comigo, faz parte da minha personalidade e minha forma de ver a vida. Você não!!
    As suas memórias de todos os cantos são a sua cara!!!

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