sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Um pouco mais de humanidade

Eu, solenemente, juro consagrar minha vida a serviço da Humanidade (...) Praticarei a minha profissão com consciência e dignidade. A saúde dos meus pacientes será a minha primeira preocupação (...) Manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção. O texto acima faz parte do Juramento de Hipócrates, que todo bacharel em medicina precisa fazer para tornar-se, então, médico. Mas todos nós, brasileiros que usamos o Sistema Único de Saúde (SUS), sabemos que não é assim que a coisa funciona. É mais ou menos como o vereador Isidoro Moraes disse na última sessão da Câmara, quando a consulta é particular, o valor é exorbitante, e quando é pelo SUS, o atendimento é praticamente virtual. Colocar os sintomas no google e tentar descobrir o que tem é praticamente o mesmo. Ou melhor, dependendo da circunstância. É como o caso do menino de 14 anos que morreu no Rio com parada respiratória em agosto poque autoridades federal, estadual e municipal não decidiram, a tempo, quem cumpriria a decisão judicial de comprar um aparelho para ajudá-lo a respirar. Foram seis meses de empurra-empurra entre as autoridades para decidirem que alugaria o balão de oxigênio que salvaria a vida do menino. O aluguel sairia, por mês, R$ 520. A vida do menino não valia isso. Duas ou três consultas particulares, sim.

E a gente não precisa ir muito longe. Tampouco acreditar que a falha é apenas no serviço público. Conheço, aqui em Campo Mourão, mesmo, uma pessoa que estava com ‘problemas de evacuação’, por assim dizer, ou diarreia mesmo, em bom português, que pegou sua carteirinha do convênio e foi procurar um médico. Ele, depois, de lhe fazer perguntas absurdas como se queria ser um porquinho-da-granja ou um porquinho-do-mato, decidiu lhe passar uma lista de exames. Afinal, o que o paciente precisava era de uma dieta. Estava acima do peso. Entre os diversos exames, nenhum de fezes. Nenhum que pelo menos fingisse que ele havia se preocupado com o seu problema. Nada. Zero. O paciente teve que recorrer a outro médico, dessa vez no 24 Horas, porque a situação estava incontrolável, e dessa vez, sim, o problema foi resolvido.

Mais, uma mulher grávida teve atendimento negado pelo médico que acompanhava sua gravidez porque, depois de ter um sangramento e correr para uma consulta de emergência, ele disse que não poderia fazer nada caso ela não lhe pagasse. Adiantado. O médico sequer avaliou a possibilidade de que a paciente, que já se consultava com ele desde a descoberta da gravidez, não tivesse tido tempo de sacar o dinheiro da consulta, dada a gravidade de um sangramento durante uma gestação. Recusou-se. E a paciente teve que buscar o dinheiro para, então, ser atendida. E se não houvesse tempo de chegar? E se houvesse mais sangramento? E se o bebê não aguentasse? E se a mãe não aguentasse?

Nós, reles mortais, que não somos chamados de doutor a não ser que tenhamos doutorado, ficamos à mercê de uma pontinha de humanidade desses seres que, salvo raras exceções, se acham deuses. Que acreditam que uma vida não vale R$ 520. Mas que não ficariam intimidados em gastar milhões se fosse a vida de qualquer um de seus filhos.

3 comentários:

  1. Eu sei que generalizar é um erro. Mas, você sabe, eu odeio a raça médica. A minha vida nas mãos deles não é nada. Nadinha...

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  2. Sempre se desdenha do que existe em abundância.
    Hoje em dia, é gente.

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  3. "Sempre se desdenha do que existe em abundância.
    Hoje em dia, é gente."
    Adorei!
    ...
    Mas é triste mesmo esta realidade. É horrível saber que isso acontece e, o que é pior, dificilmente irá mudar.
    (obs: há umas 3 semanas atrás eu vi o "Profissão Repórter" na globo, a respeito da realidade de alguns hospitais públicos no país. Uau. Nesse dia eu fiquei com uma vontade gigante de largar a facul e fazer medicina. CALMA! Foi só no dia, já passou. Pode deixar que eu me formo - pretendo! - daqui a três anos!)

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