quarta-feira, 9 de junho de 2010

O sorriso de Maristela



Entramos no galpão onde o artesanato era vendido e logo a vi, à espreita. Cada passo nosso era vigiado pelos olhos atentos e, quando se percebia avistada, o pelo sorriso encabulado e a tentativa de esconder-se atrás da janela. Sorrateira, me dirigi em sua direção. O que me esperava do outro lado me encantou. "Qual o seu nome", perguntei, me preparando para indagar o que significava o verbete Ava-guarani. "Maristela."
Maristela, apenas Maristela. Talvez por estar na tribo, por conversar com uma indiazinha, me surpreendi porque seu nome era tão latino quanto o meu. Estrela do Mar, a pequena Maristela na aldeia que a cercava.
Agora, olhando melhor, não entendo meu espanto. Não apenas Maristela, mas toda a tribo perdia o jeito indígena. Ao invés de pinturas, penas e cocar, Maristela usava um conjunto de saia e blusinha azuis. Nos pés, que em outros tempos estariam descalços, um chinelo de dedo. Azul, também. O cabelo, parcialmente preso por uma presilha amarela. E uma tatuagem de chiclete em sua testa a deixavam tão longe de ser índia quanto qualquer um dos meus primos de sua idade.
Maristela não era a única, ali, que parecia fora do seu lugar. Nenhum índio da aldeia parecia como os que povoam nossa imaginação. O espanto se tornou ainda maior quando duas mulheres que acompanham a tribo nos contaram que tiveram que ensiná-los a fazer o artesanato que era da sua própria cultura. Foram reeducados culturalmente.
Tudo para manter vivo nosso imaginário. Parafraseando um amigo, por que não manter intacta a cultura deles nos livros? Assim como a dos gregos, dos maias ou outros povos? Por que não deixar que, como nós, evoluam? Melhor, por que fingir que ainda são os mesmos índios, donos primeiros das terras brasileiras? Por que querer acreditar que o meio, o tempo, o convívio conosco ou a sua própria curiosidade não os tornaram diferentes?
Estudar a língua? Sim, mas registrá-la, para que não morra. Assim como seus costumes, sua vida, o que ainda é possível preservar. E deixá-los seguir em frente. Como qualquer outro povo.
E pensar que, mesmo fora de contexto, mesmo não condizendo com o que imaginava, mesmo que não responda às minhas, às suas ou a outras expectativas, o sorriso de Maristela cativava a quem olhasse. E, como um objeto a ser imortalizado, ficou registrado pelas lentes e pela memória de quem estava ali, naquele dia.

4 comentários:

  1. Lindo o sorriso da Maristela.
    Gostei do texto, da reflexão.
    :)

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  2. Você sabe a minha opinião a respeito. Dentro da tribo me senti tão perdida quanto os índios que por ali moram.
    Maristela, linda. Encantadora.

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  3. Um sorriso pra emocionar.... Linda foto!Parabéns!

    Vim para deixar a sugestão de um filme, se é que já não viu, pois lembro que numa destas passagens pelos blogs vi vc pensando em que ia fazer hoje... O novo do Woody Allen, 'whatever works' - tudo pode dar certo é o nome em português, se não me engano. É um romance sem romantismo, bom de ver, que inspira discussões sobre a vida, para ocuparmos nossas mentes sem presentes...
    Bjão e que o sábado não seja dos namorados, mas das mulheres lindas e dos filmes bons!

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