segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Em visita à Tríplice Fronteira

Mercosul, 1985. Nasce, aos 25 de dezembro, a menina Paula. Ela cresce num mundo onde as tecnologias chegam muito mais rápido do que no resto do seu subdesenvolvido país, pela Ponte da Amizade. Aprende, de pequena, a diferenciar espanhol de português e guarani. Descobre que muçulmanos se casam com meninas que ainda brincam de bonecas e que argentinos gostam de dirigir no meio da pista. E que seus pais não gostam disso.
Por duas vezes a menina foi embora dali. Da segunda, para nunca mais voltar a morar. Até agora. Mas visita sempre. Porque o pai ainda está ali, aguentando o calor, o perigo e a falta de educação de muita daquela gente. E, quando estudante, a menina visitava frequentemente seu pai. E frequentemente era interpelada por eles, que a assustavam em cada nova abordagem.
A parada acontecia sempre quando voltada de Foz do Iguaçu. Por ser uma região de tráfico intenso, a Polícia Militar sempre para os ônibus para vistorias (in)oportunas. Em uma das vezes, um dos policiais abriu a sua bolsa e gritou, no meio do ônibus: "Dona, isso aqui é contrabando, sabia?". Não, ela não tinha ideia. Só tinha pego uns filmes emprestados com sua madrasta para poder assistir em sua casa, com seus amigos. Mas não tinha se atentado ao fato de aquilo ali ser contrabando.
Sempre era assim. Os policiais, treinados para fazer ter medo.
Mas nessa última vinda foi demais. Ela estava sentada na poltrona 3, ninguém ao seu lado. De repente o ônibus para. À frente, uma fila enorme de ônibus. Quatro militares sobem para a vistoria. Paula, não mais menina, morena e com traços que, imagino eu, sejam suspeitos, responde a um questionário quilométrico. Perguntam duas ou três vezes sua profissão, o que fazia em Foz, para onde vai. Quando contou que foi à Tríplice Fronteira, lugar que nasceu, para visitar seu pai, teve, inclusive, que dar o endereço dele. Porque é normal que uma menina morena, de cabelo enrolado, 24 anos, que volta de Foz, esteja contrabandeando. Ou traficando, mesmo. É o perfil que querem.
O garoto que estava no banco ao lado, o 5, se não me falha a memória, devia ter uns 12, 13 anos. Mas era moreno. Muito mais que Paula. Ele teve que erguer a camisa, praticamente tirar, para deixar os PM satisfeitos.
A senhora de aproximadamente 40 anos, branquinha e loira que sentava-se atrás da iguaçuense Paula, com cara de mãe de família, teve apenas que dar oi ao policial. Passou reto. Não era o perfil.
E daí? E se, justamente por não ter o perfil desejado, ela tivesse sido escolhida para a 'missão'? Engraçado num país tão misturado, com tanta diversidade, você ser suspeito pelo perfil físico que apresenta. Engraçado, triste e frustrante.

3 comentários:

  1. Muito mais frustrante que engraçado. Se vc não tivesse de ficar mais duas horas parada, torceria por um advogado para fazer revistar todo mundo.

    Não se acostume e tenha paciência de me ensinar essas coisas (sabe que eu nutro um desejo de ser sacoleira, hehe.

    Bjoo!

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  2. Aiaiai,ooo visãozinha de mundo essa heim...
    I love you, beibe. :)

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  3. Texto angustiante (enquanto verdadeiro) pra ser lido por uma mae a milhas e milhas distante do seu bebe... pelo menos, serviu pra mae aflita descobrir que o pavio curto de sua primogenita, as vezes, falha. (Graças a Deus)

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